Durante a graduação, o estudante de Direito tende a visualizar a aplicação - e ter suas vivências - das áreas de maior concentração de temas jurídicos, como o direito civil, penal, constitucional, trabalhista e do consumidor, por exemplo. Os encontros de família são as primeiras experiência de consultoria e sempre tem um parente com algum problema no condomínio ou com o patrão ou com algum serviço público (água, luz, telefone).
As questões genéricas normalmente são mais fáceis de responder de maneira mais superficial, e à medida que a nossa habilidade de responder corretamente- mesmo que de maneira básica- vai aumentando juntamente com a quantidade de indagações, nosso senso de que estamos aprendendo e apreendendo “todo” o universo do Direito também, ilusoriamente,cresce.
Nossos primeiros clientes são amigos, familiares e vizinhos. São através deles que acabamos entrando em contato com outras dimensões do mundo jurídico. Dimensões essas, muita das vezes, cremos que só travaríamos contato se estivéssemos trabalhando em um grande escritório. As áreas de direito ambiental, da moda, marítimo, propriedade intelectual são alguns exemplos.
No meu caso o contato foi com o direito bancário. Para ser sincera, nem sabia que essa área existia, mas não fiquei surpresa. Pra quem é da advocacia sabe que existe um ramo do direito para tudo, ele está lá, pode estar pouco regulamentado, mas está lá. Nós que não conhecemos, ainda.
A demanda pelo direito bancário veio do questionamento de um familiar. Ele tinha um financiamento habitacional, iria quitar antecipadamente e queria saber se tinha algum desconto no valor total pela antecipação. Naquele momento não sei se esqueci ou pensei que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não se aplicaria ao caso, mas disse a ele que não teria nenhum desconto. No máximo deixaria de pagar a mensalidade do mês da quitação.
Estava completamente errada. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reforçou o entendimento declarando a aplicabilidade do CDC aos contratos de financiamentos habitacionais. A partir desse momento outras demandas começaram a surgir e foi daí que percebi o quanto o direito bancário está inserido em nosso cotidiano e não havia me dado conta. Em muitos casos recebia uma causa e enxergava o contexto geral dentro do direito civil, do administrativo, mas não na sua especificidade, no caso, como sendo um debate sobre direito bancário.
Empréstimos, financiamentos imobiliários, consignados, cartões de crédito, microcrédito, FIES, consórcio são apenas algumas temáticas mais comuns do direito bancário e que estão inseridas no cotidiano da sociedade brasileira em geral. Quem não conhece alguém que estuda com a ajuda do FIES ou pegou um empréstimo ou fez o consórcio de um veículo?!
Ao deparar-me com algo, diga-se de passagem sempre esteve “na minha cara”, totalmente desconhecido fui pesquisar para saber se apenas a faculdade na qual estudei tinha escolhido não incluir essa disciplina, nem que fosse de maneira eletiva, ou era um comportamento comum nas graduações recifenses.
Segundo os registros do Ministério da Educação (MEC) existem pouco mais de 20 cursos de graduação de Direito na região metropolitana do Recife e menos de 15% delas oferece a disciplina em suas bases curriculares.
Dentro desse percentual, apenas uma faculdade oferece a disciplina como obrigatória, as demais são ofertadas como eletivas. Ou seja, não faz parte da formação inicial dos futuros advogados, do Recife e Região Metropolitana, o conhecimento sobre uma área que permeia a vida das pessoas, e de forma impactante.
E por que de classificarmos como impactante vem de números do judiciário. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os processos na área de Direito do consumidor, relativos às instituições financeiras, são cerca de 39% do total (3,4,5). Esse percentual é bem expressivo e dele surge o questionamento sobre a não inclusão da matéria nas grades curriculares das faculdades.
Ministrar todas as áreas de atuação do Direito durante a graduação seria algo perfeito, mas inviável. O advogado passa a vida tendo que acompanhar as inovações legislativas - novas leis, mudança nos códigos já existentes- se tivesse que estudar tudo o que diz respeito ao Direito não sairia dos bancos escolares. Neste sentido faz-se necessária a análise sobre a revisão curricular. O futuro advogado merece ter um pouco mais do que uma formação generalista e os problemas apresentados ao judiciário são um forte indicativo da base que o jurista deve ter para atuar no mercado de trabalho.
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